“Literatas Brasileiras de fins do século XIX” por Laila Correa e Silva3

O Puri
6 min readSep 18, 2017

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(ANO 03 — NUM 01)

Dia 08 de março, “Dia Internacional da Mulher”! Dia de parabenizar todas as mulheres por suas conquistas e, também, relembrar de todas as lutas trava­das por elas, em todos os tempos e em todos os séculos. Na chave da memória, à qual geralmente recorremos para visi­tar a história de fatos e personagens que nos precederam na articulação de mo­vimentos sociais, culturais e políticos, convido leitores e leitoras para uma pe­quena viagem no tempo, nos arquivos dessa memória que guarda a trajetória de algumas das brasileiras que começa­ram a questionar o lugar ocupado pela mulher na sociedade de fins do século XIX.

Por meio da escrita, principalmente nos jornais cariocas dirigidos por mu­lheres, combativas e atuantes no mundo das letras, Josefina Álvares de Azevedo (1851- ?), Inês Sabino (1853–1911) e Ma­ria Benedita Câmara Bormann [Délia] (1853–1895), pretenderam sensibilizar e promover o debate público sobre a edu­cação destinada à mulher. Essas escri­toras atuavam contra todas as amarras sociais que as impediam de participar de modo pleno e político na vida públi­ca. É interessante notar que o embate e a contestação não se dão somente por meio de organizações ou movimentos sociais propriamente ditos, mas pode se desenvolver por meio da escrita de um jornal, ou da literatura, ou das artes e da cultura de modo geral.

O que ocorreu no caso das três mu­lheres que pretendo apresentar bre­vemente aqui, consiste na construção de um discurso jornalístico e literário evidenciando as capacidades intelec­tuais das mulheres, que segundo elas estariam inteiramente aptas para exer­cer qualquer tipo de atividade intelec­tual e política, em caráter de igualda­de com o homem. Atualmente, apesar de ainda estarmos muito distantes de atingirmos a igualdade entre homens e mulheres, pode surpreender o fato de ter sido necessário apontar que ambos são dotados das mesmas capacidades intelectuais, e que poderiam exercer as mesmas atividades e serem contem­plados pelos mesmos direitos e deveres propiciados pela cidadania. Todavia, à época da produção escrita dessas três literatas, no contexto de transição entre o regime monárquico e a proclamação da República no Brasil, as mulheres ti­nham direitos muito restritos e, visan­do uma maior participação nos rumos políticos e sociais do Brasil, ansiavam pelo direito de votar e serem votadas, direito que apenas foi conquistado em 24 de fevereiro de 1932, após muitas mobilizações por parte das mulheres.

Josefina Álvares de Azevedo foi uma defensora pioneira do voto femi­nino. No jornal fundado e dirigido por ela mesma, intitulado A Família: jor­nal literário dedicado à mãe de família (1888–1898), a professora e jornalista escreveu vários artigos em defesa de uma educação feminina de qualidadee, sobretudo, conscientizando e mo­bilizando suas leitoras para a luta em prol da conquista de direitos políticos à mulher. Destaco aqui a peça teatral O voto feminino, escrita e encenada em 1890, no Rio de Janeiro. A peça se refere ao momento decisivo de discus­sões, no âmbito da Assembleia Consti­tuinte republicana, em que os debates parlamentares se voltavam para, entre outras questões, o direito ao voto femi­nino. Josefina Azevedo construiu per­sonagens femininas fortes, inteligentes e ávidas em tomar a dianteira no pro­cesso político de início da República no Brasil. As mulheres da trama O voto feminino pretendiam se engajar numa verdadeira “revolução das saias”, na qual elas assumiriam cargos políticos de importância e seguiriam carreiras profissionais consolidadas, assim como os homens. Estes, por sua vez, com ape­nas uma exceção, temiam que as mu­lheres tomassem seus empregos e os papeis se invertessem, ou seja, temiam ter de assumir as tarefas domésticas e todas as ditas prerrogativas (restritas) de ser mulher em fins do século XIX.

O voto feminino foi encenado em 26 de maio de 1890, no Recreio Dramáti­co, um dos teatros mais populares do Rio de Janeiro e depois teve versões im­pressas em folhetins no jornal A Famí­lia. O que mais impacta, num primeiro momento, é a pouca informação que temos sobre a vida e a trajetória de Jo­sefina Azevedo, apesar da importância social e política de sua escrita militan­te… O que conduz a pensarmos acerca dos silêncios impostos à voz feminina em vários momentos da nossa histó­ria, assunto que renderia outras longas conversas e que não cabe só ao exem­plo da vida de Josefina Azevedo, mas à trajetória de Inês Sabino e Maria Be­nedita Bormann [Délia] e tantas outras mulheres que ousaram falar, escrever e atuar fora do círculo privado e restrito destinado à mulher.

Além dos artigos em jornal e da peça teatral, Josefina Azevedo escreveu a Galeria Ilustre (mulheres célebres) publicada em 1897. O seu objetivo era justamente abordar a biografia de gran­des mulheres que atuaram de forma decisiva na história e que, infelizmente, não encontraram o devido eco na me­mória nacional.

Inês Sabino também foi uma jor­nalista de destaque em fins do século XIX. Ela colaborou em vários jornais femininos e em outros destinados ao grande público. Escreveu contos, ro­mances, crônicas e também um livro de biografias: Mulheres Ilustres do Brasil (1899). Sabino era uma escri­tora militante na imprensa feminina e na causa pela obtenção de direitos à mulher e, principalmente, pela con­sagração da produção intelectual das mulheres brasileiras, preocupando-se em perenizar nomes femininos que se destacaram por atos cívicos ou por suas obras literárias. Assim como Jose­fina Azevedo, Inês Sabino demonstrou plena consciência das mudanças sociais engendradas pela proclamação da Re­pública e alertava à mulher sobre o seu decisivo papel social nesse momento de mudanças. Seus escritos falavam sobre educação feminina, casamento e pres­sões sociais diversas impostas à mulher pela sociedade patriarcal.

Maria Benedita Câmara Bormann, com o pseudônimo Délia, foi uma es­critora ativa entre 1880 e 1895. Ela ti­nha laços de amizade com Inês Sabino; ambas participaram dos mesmos peri­ódicos, tanto aqueles dirigidos por mu­lheres, como os de público geral. Délia escreveu durante dez anos para os prin­cipais jornais do Rio de Janeiro, tais como a Gazeta de Notícias e O País. A literata publicou contos e romances nos quais a mulher era a personagem principal. Seu ponto chave de crítica era o casamento e as imposições pa­triarcais que coagiam a mulher. O tema da violência do homem contra a mu­lher, o casamento como fonte de mui­tas frustrações femininas e a política como assunto feminino são temáticas recorrentes na obra de Délia. O roman­ce mais polêmico da autora, segundo a crítica da época, foi Lésbia, publicado em 1890. É interessante destacarmos esse romance, pois ele aborda o proces­so de emancipação e formação de uma escritora em fins do século XIX. Lésbia narra a vida da jovem Arabela. Filha única de uma família de posses, dotada de extraordinária inteligência e bele­za, vive feliz até os 16 anos. Por volta dos 19 casa-se e é infeliz no casamento, porque tem um marido hostil, grossei­ro e ciumento que zombava do empe­nho de Arabela nos estudos. A jovem, com o consentimento do pai, expulsa o marido de casa e a partir de então começa sua jornada de bailes e festas, até sofrer uma desilusão amorosa que a impulsiona definitivamente para o mundo as letras. A partir desse enredo, Délia encontrou um campo perfeito para o debate sobre as limitações criati­vas impostas à mulher que pretendia se dedicar à escrita. Apesar de tudo, Lés­bia, pseudônimo adotado por Arabela, consegue publicar folhetins nos jornais cariocas e alcança notoriedade com sua escrita, que assim como a obra de Dé­lia, toca em temas polêmicos relaciona­dos à vivência feminina.

Acredito que essas três escritoras, mesmo que tenham sido ilustres es­critoras de fins do século XIX carioca, são “ilustres desconhecidas” de grande maioria de nós. E isso- como já men­cionei antes- é um indicativo do apa­gamento de parte da nossa história, da trajetória de nossos embates diários por igualdade entre homens e mulheres. Certamente, muito da abertura que eu mesma encontro aqui para escrever e ser lida, assim como outras tantas mu­lheres, escritoras, estudantes, profissio­nais ou não, beneficiam-se dos embates travados por elas, lá no século XIX. Isso porque o nosso lugar de fala- enquan­to mulher- teve que ser conquistado a “duras penas”… Das penas utilizadas na escrita de literatas nos jornais, nos folhetins do século XIX, nos panfletos, nos comícios, nas organizações e movi­mentos sociais, nos séculos XX e XXI. É por isso que 08 de março é dia de contar histórias, mas é também um dia de reiterar a necessidade de continuar­mos lutando, na rua, na escrita, na fala, seja onde for. Sabemos que o caminho a ser percorrido ainda é muito longo…

3 Graduada em Filosofia e História pela Universidade Estadual de Campinas, mestra em Filosofia e doutoranda em História Social pela mesma universidade. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Império, Literatura Brasileira e Ma­chado de Assis.

Imagem: a escritora Josefi­na Alvares de Azevedo, gravura publicada no periódico A Família. Sem autoria, sem data.

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